Depressão é realidade entre enfermeiros


07.10.2019

Como você está se sentindo? O que você precisa neste momento? Quer conversar? Essas perguntas, que vão muito além de uma simples gentileza, deveriam ser uma constante entre os profissionais de saúde que têm de lidar com a vida e a morte, e todo o tempo sob pressão, como é o caso da enfermagem. Isso pode levar à depressão e, muitas vezes, ao suicídio.

O Ministério da Saúde explica que o suicídio é um fenômeno complexo, multifacetado e de múltiplas determinações, que pode afetar indivíduos de diferentes origens, classes sociais, idades, orientações sexuais e identidades de gênero. Mas ele pode ser prevenido. Reconhecer os sinais de alerta em si mesmo ou em alguém próximo pode ser o primeiro e o mais importante passo.

Duas das portas de acesso ao suicídio são a ansiedade e a depressão, sendo que esta última é considerada um problema médico grave e altamente prevalente na população em geral. De acordo com o estudo epidemiológico, a prevalência de depressão ao longo da vida no Brasil está em torno de 15,5%. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a prevalência de depressão na rede de atenção primária de saúde é 10,4%, isoladamente ou associada a um transtorno físico.

As duas juntas formam o que muitos consideram como a dupla do mal do século, acometendo seriamente os profissionais de enfermagem. Estar na linha de frente para contribuir com a cura dos pacientes, por vezes, traz o próprio adoecimento. Muitos debates têm sido realizados sobre a depressão na enfermagem e o esgotamento emocional e físico desses profissionais. O jornalismo do PGE – Instituto de Pós-Graduação em Enfermagem foi buscar respostas junto a quem tem trabalhado diretamente no atendimento desses casos.

O binômio vida-morte

A depressão entre enfermeiros não é algo incomum. A profissão lida com pacientes em situação de dor, sofrimento e morte, e isso abala o emocional desse profissional. De acordo com a doutora em Enfermagem Psiquiátrica e Coordenadora da Comissão Nacional de Enfermagem em Saúde Mental do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), Dorisdaia de Humerez, a morte é sempre difícil de ser encarada. O enfermeiro cuida de pessoas, com recém-nascidos, e lidar com a morte deles é escancarar a finitude do ser humano. Essas mortes geram muitos mecanismos de defesa, e nem sempre saudáveis.

Com experiência de 22 anos em saúde mental, o enfermeiro especialista em Psicanálise Clínica, gerente do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Moxuara, em Cariacica, no Espírito Santo, e também conselheiro suplente do Conselho Regional de Enfermagem desse Estado (Coren-ES), Lincoln Gomes, entende que a dificuldade não está especificamente em se trabalhar com a morte, mas com as emoções ou sentimentos humanos.

“Claro que é mais fácil atendermos às necessidades diante de situações favoráveis, como o nascimento, até por uma questão cultural, mas, nós, como profissionais, aprendemos na nossa formação a enfrentar situações de sofrimento profundo. Vejo ainda que essa resposta é de cunho muito individual, pois tem várias questões envolvidas, desde a sua formação filosófica religiosa, passando pelo nível de aprofundamento teórico e filosofia de vida, que nos dão condições de enfrentar situações tão especiais como o sofrimento humano”, relata Gomes.

Fatores de gatilho

O suicídio não advém de um fato isolado. São fatores que interagem e levam ao desejo de morrer. A profissão de enfermagem surge como um fator causador, mas não se pode desconsiderar situações como abandono, medo, solidão, culpa, instabilidade emocional, desestrutura familiar e infância reprimida, quer seja por dor ou por abuso.

São agravamentos à enfermagem o fato de ela não possuir um plano de carreira, por exemplo. É uma categoria subjugada, que não tem o reconhecimento devido, tanto pela sociedade como pelos outros profissionais da área da saúde.

O enfermeiro é um profissional visto como um executor de ordens e, na prática, a questão muda de configuração. O enfermeiro lida com excessivas jornadas de trabalho, trabalho por turnos, instabilidade no emprego, descanso inadequado, salários insatisfatórios, dimensionamento inadequado de profissionais, alta responsabilidade e desajuste de horário para que possa dar conta de afazeres pessoais.

Dorisdaia fala que estudos revelaram que enfermeiros apresentam alto risco para o suicídio, mas é preciso considerar que, tendo um crescimento de 60% na população geral, o aumento na enfermagem ocorreu na mesma proporção. “A organização do trabalho da enfermagem é relacional com o estabelecimento de vínculo. Temos na profissão a Divisão do Trabalho – Técnica e Social, gerador de contradição entre a satisfação e o sofrimento emocional. A enfermagem tem, historicamente, uma submissão consentida ao modelo médico. O enfermeiro cuida de pessoas 24 horas à beira do leito, lida com a subjetividade humana e as múltiplas maneiras de como as vivenciam”, relata ela.

“A literatura científica nos mostra que em alguns dados já comprovados, em 500 profissionais de enfermagem os transtornos mentais, como a depressão, já se destacaram, até pela característica da profissão e pelo atual desafio que os serviços de saúde nos proporcionam e também diante dos desafios de cunho trabalhista que a categoria enfrenta há bastante tempo. Sendo assim, devemos estar preparados para enfrentar os índices de prevalência e incidência dos transtornos mentais que acometem a população de uma forma geral, e aí podemos afirmar que os casos de depressão e risco de suicídio vêm se destacando”, fala Gomes.

Segundo Dorisdaia, o enfermeiro é obrigado a transformar o binômio Enfermeiro-Paciente no trinômio Enfermeiro-Instituição-Paciente. Isso sem se esquecer de mencionar pressões de interesses antagônicos na instituição em que trabalha. Ele precisa considerar a produtividade, realizando o máximo de atendimento com o mínimo de despesas, embora tenha de oferecer atenção de qualidade àquele paciente.

Suporte emocional

“Quanto ao suporte emocional no cotidiano dos profissionais de saúde, aqui especificamente de enfermagem, sem dúvida é necessário e um direito do trabalhador da saúde, dos trabalhadores de forma geral. Destaco a Política Nacional de Atenção ao Trabalhador e Trabalhadora. Acho que o caminho é o fortalecimento das entidades representativas dos trabalhadores para discussões coletivas, tanto em relação aos serviços como às necessidades dos trabalhadores no serviço”, chama a atenção Gomes.

Ele afirma, ainda, que também cabe destaque o fortalecimento das comissões de saúde do trabalhador e formação de profissionais que atuam nos serviços de medicina do trabalho e segurança do trabalho dentro das instituições.

O enfermeiro reitera que os gestores devem estar atentos e ter um nível de sensibilização para valorizar o profissional de enfermagem, uma forma para diminuir os índices de afastamento, licenças e atestados, promovendo uma melhor qualidade de vida e maior produtividade.

Já Dorisdaia não considera que tenha de haver um serviço de psicologia, mas uma equipe preparada para rastrear a pessoa em risco, ou seja, identificação e gestão das pessoas em risco, além de sensibilização dos profissionais e ‘desestigmatização’. É necessário definição de fluxos e responsabilidades, articulados em rede de cuidados; aperfeiçoamento dos sistemas de informação; capacitação de profissionais de saúde; educação permanente; qualificação de profissionais de mídia e ampliação do acesso à atenção psicossocial das pessoas com tentativa de suicídio e aos sobreviventes.

“Os conselhos estão oferecendo ajuda, mas a ajuda principal é falar do suicídio, mas não dos suicidas e a forma do suicídio. Suicídio é endêmico. Como a divulgação de profissionais se suicidando e a forma como o fazem cria a tendência de que o suicídio se torne epidêmico”, destaca Dorisdaia.

Prevenção e valorização

Segundo Gomes, a enfermagem tem uma história social importante. Devem-se ampliar as ações de marketing da categoria nas ações de cunho político e nível de formação permanente dos profissionais, criando espaços de discussão e diálogo com a classe. É necessária a promoção desses espaços, investimento em pesquisas de fomento que venham a retornar em forma de serviços e políticas de valorização da categoria.

O enfermeiro fala também da importância em realizar parcerias com instituições de saúde especializadas, criação de políticas de estímulo à atividade física, incentivando uma cultura de vida saudável entre os profissionais de enfermagem.

“Acho que o Cofen e as demais entidades sindicais têm um papel primordial na defesa dos direitos dos trabalhadores de enfermagem e na construção de políticas que valorizem esse profissional”, acrescenta Gomes, ressaltando que o Coren-ES realizou neste ano a primeira corrida rústica de enfermagem, bem como criou uma comissão de saúde do trabalhador, com o objetivo de orientar as questões que envolvem a saúde do profissional de enfermagem.

“A maior prevenção é não ter armas letais. O profissional tem a arma – psicotrópicos e anestésicos à mão, e sabe como e em que quantidade usá-los. Mas, a criação de grupos de mapeamento, apoio via educação permanente pode reduzir as tentativas e o ato consumado. Quem estiver perto de um colega de trabalho que seja identificado em risco deve ajuda-lo imediatamente. Esperar amanhã para ser atendido por um profissional da psicologia pode ser tarde demais”, alerta Dorisdaia.

Fonte: PGE – Pós-Graduação Enfermagem

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